No livro "Meu Último Suspiro" , o cineasta espanhol Luis Buñuel (1900-1983) conta suas memórias de uma forma simples e sem muito rigor cronológico. É mais uma conversa em que o interlocutor somos nós do que um depoimento detalhado de tudo o que viveu, e com quem conviveu, desde seu nascimento na província espanhola de Calanda à sua morte oitenta e três anos depois na Cidade do México.
Claro que Buñuel preenche suas memórias com seus amigos, familiares, as ideias políticas, seus ideais de vida, que foram se modificando ao longo do tempo, conforme sua situação pessoal ou o ambiente político.
Buñuel não veio de família pobre, seu pai era um abastado fazendeiro cuja fortuna fora forjada em Cuba. Nem ele ou seus sete irmãos passaram dificuldades financeiras. Teve uma infância feliz e solta, tomando contato com a natureza, e logo entregando-se a práticas esportivas com grande vigor.
Aos 17 anos foi estudar em Madrid, numa instituição prestigiada e elitista, onde começou a se interessar por artes em geral, principalmente a pintura e a poesia. Ficou amigo do futuro poeta Federico Garcia Lorca, de Salvador Dali enquanto sua carreira estudantil ficava cada vez mais em segundo plano, frustrando os planos de seu pai que queria vê-lo agrônomo.
Aos 25 anos foi pra Paris, onde manteve contato com vários expoentes do Surrealismo, entre eles André Breton. Aprendeu mágica, hipnose e se envolveu com várias práticas que ele e seu grupo chamavam de "surrealistas".
Aliás, para os membros desse grupo o Surrealismo era tido quase como uma religião. Tanto que aqueles que eram considerados "traidores" por motivos vários eram afastados sumariamente de seu convívio. O próprio Buñuel mais tarde seria vítima disso.
Em 1929, ainda em Paris, Buñuel realiza seu primeiro filme, "Um Cão Andaluz". Escrito em parceria com seu amigo Salvador Dali, o filme causou muita polêmica, a primeira de várias em que Buñuel se veria. Depois vieram "A Idade do Ouro", outro filme surrealista, ainda vivendo em Paris.
Logo em seguida foi para Hollywood, convidado pela Metro Goldwyn Mayer a que "aprendesse" as técnicas do cinema americano a fim de de que mais tarde se tornasse um diretor de cinema naquele país. Logicamente Buñuel não tinha nenhum interesse em se fazer cinema sob o sistema dos estúdios americanos. Portanto todo o tempo em que lá esteve gastou seus dias em festas e jantares com famosos como Charlie Chaplin e Sergei Eisenstein.
De volta a Espanha lá permaneceu até a eclosão da Guerra Civil Espanhola de 1936. Voltou a viver nos EUA, trabalhou no Moma, em Nova York. E em 1946 recebeu o convite para filmar no México. Não só aceitou como viveu lá por catorze anos. Nos quais realizou vinte filmes. No começo eram apenas filmes feitos sob encomenda mas aos poucos Buñuel conseguiu imprimir sua marca em filmes como "O Alucinado", "Os Esquecidos", "Ensaio de um Crime" e "A Adolescente".
Em 1960 retorna à Espanha franquista para mesmo sob os protestos de seus amigos republicanos, rodar "Viridiana". Filme altamente subversivo para os padrões totalitários mas que passou pela censura incólume. O filme ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes.
Voltou ao México para filmar "O Anjo Exterminador" e "Simão no Deserto" e a partir disso volta à França onde passou a realizar todos os seus filmes subsequentes. E talvez seus maiores sucessos, filmes pelos quais é lembrado até hoje: "A Bela da Tarde", "Tristana", "Via Láctea", "O Discreto Charme da Burguesia", "Esse Obscuro Objeto do Desejo".
Buñuel é um cineasta que não deixou herdeiros artísticos. O surrealismo aos poucos se tornou uma peça de museu, desaparecendo de todas as expressões da arte, da literatura, do cinema, da pintura. E mesmo grandes nomes do cinema espanhol como Pedro Almodóvar ou Bigas Luna, não tem nada em comum com o cinema de Buñuel.
E nos dias de hoje em que as audiências tem dificuldades até em reconhecer ironia, o que dirá de algo tão anárquico quanto o surrealismo. Talvez porque a nossa realidade em si já seja difícil de compreender.